A Casa de Vidro

Com o tempo, ela e os filhos passaram a viver numa casa com paredes firmes — mas de vidro, onde tudo podia ser visto, dito e sentido, sem ameaças invisíveis. Joana não apagou o passado, mas decidiu que ele não escreveria o futuro.

TEXTOS - BEATRIZ GOMES

Beatriz Gomes

7/23/20251 min read

building interior
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Joana cresceu numa casa onde a autoridade era lei, mas o autoritarismo era rotina. Seu pai dizia que tudo o que fazia era “para o bem dela”, mas raramente explicava suas decisões. Ela podia até tirar boas notas, mas bastava uma palavra atravessada para ouvir gritos ou, às vezes, o silêncio punitivo que durava dias. Sua mãe, submissa, dizia apenas: “Seu pai sabe o que faz.”

Quando adulta, Joana jurou que com seus filhos seria diferente. Teve dois: Lucas e Ana. No começo, repetia padrões sem perceber. Quando Lucas não obedecia imediatamente, a voz saía alta demais. Quando Ana chorava “sem motivo”, ela mandava calar. Era como se o eco da infância ainda gritasse dentro dela.

Mas houve um dia em que Lucas, com 7 anos, olhou para ela com os olhos marejados e disse:

— Mãe, você não precisa gritar. Eu escuto você mesmo quando está calma.

A frase caiu como um espelho estilhaçado. Joana sentou no chão com o filho e chorou. Começou a estudar sobre criação respeitosa, a conversar mais e mandar menos. Aprendeu a impor limites, mas com explicações; a dizer “não”, mas acolhendo o choro que vinha depois. Aos poucos, percebeu que autoridade verdadeira não precisava de medo, só de firmeza com afeto.

Com o tempo, ela e os filhos passaram a viver numa casa com paredes firmes — mas de vidro, onde tudo podia ser visto, dito e sentido, sem ameaças invisíveis. Joana não apagou o passado, mas decidiu que ele não escreveria o futuro.

E assim, na simplicidade do cotidiano — nos cafés da manhã tranquilos, nas conversas antes de dormir — ela provava que era possível ser autoridade sem ser autoritária. E que o amor, quando escutado, era mais forte do que qualquer grito.